Visto que o ultimo artigo que escrevi foi sobre a relevância da revista Orpheu, achei por correcto que os próximos 3 artigos sejam acerca das mentes que impulsionaram este movimento. Entre eles, encontra-se José Sobral de Almada Negreiros, mais conhecido por simplesmente Almada Negreiros. Eu já me tinha referido a ele no último artigo em que o mencionei como um dos “motores” da revista. Ele, que na minha modéstia opinião, muitas vezes não atribuído o devido valor e legitimidade de relevo que tem, tanto, na cultura como na sociedade portuguesa.
Almada Negreiros nasceu em São Tome e Príncipe, na altura ainda parte das colónias africanas portuguesas, a 7 de Abril de 1893. Negreiros viria a distinguir-se nas artes plásticas mas não só, também como escritor. Almada foi um autodidacta, pois nunca frequentou qualquer tipo de curso de artes plásticas, tornando-o ainda mais excepcional. Nas artes plásticas, Almada Negreiros exprimia-se tanto como pintor, como escultor ou até simplesmente através do desenho. Já como escritor, Negreiros era um poeta, romancista, dramaturgo e até mesmo ensaísta. Sempre mostrando a sua genialidade através da sua expressão criativa.
Almada Negreiros, grande amigo de Pessoa, na área da pintura, ficou reconhecido a sua obra com a pintura em óleo sobre tela, a pintura de Pessoa. Nos anos 20, Almada Negreiros viajou pelo o mundo voltando a Portugal em 1932. Almada Negreiros casou-se em 1934 com Sarah Afonso, outra pintora portuguesa. Almada Negreiros, inicialmente um monárquico declarado, torna-se próximo do regime salazarista, chegando mesmo apelar ao voto na nova constituição. Porem, Almada não acreditava na submissão da cultura artística a vida política, recusando mesmo uma exposição política em 1935.
Almada Negreiros, participou e contribui com diversos feitos para vários edifícios públicos, como um tapeçarias que ainda podem ser vistas no tribunal de contas de Lisboa ou com uma série de gravuras em acrílico que se encontram no Hotel Ritz também em Lisboa. Negreiros acabaria por falecer em Junho de 1970, no mesmo quarto de hospital que o seu eterno amigo Fernando Pessoa também havera falecido.
Canção da Saudade
Se eu fosse cego amava toda a gente.
Não é por ti que dormes em meus braços que sinto amor. Eu amo a minha irmã gemea que nasceu sem vida, e amo-a a fantazia-la viva na minha edade.
Tu, meu amor, que nome é o teu? Dize onde vives, dize onde móras, dize se vives ou se já nasceste.
Eu amo aquella mão branca dependurada da amurada da galé que partia em busca de outras galés perdidas em mares longissimos.
Eu amo um sorriso que julgo ter visto em luz do fim-do-dia por entre as gentes apressadas.
Eu amo aquellas mulheres formosas que indiferentes passaram a meu lado e nunca mais os meus olhos pararam nelas.
Eu amo os cemiterios – as lágens são espessas vidraças transparentes, e eu vejo deitadas em leitos florídos virgens núas, mulheres bellas rindo-se para mim.
Eu amo a noite, porque na luz fugida as silhuetas indecisas das mulheres são como as silhuetas indecisas das mulheres que vivem em meus sonhos. Eu amo a lua do lado que eu nunca vi.
Se eu fosse cego amava toda a gente.
Almada Negreiros, in ‘Frisos – Revista Orpheu nº1’
Mauro Martins Antunes