In addition to sharing excepts from the late José Mário Coelho’s book, based on the lives of the Portuguese who emigrated to Canada, we also thought it would be nice to broaden the scope a bit to discuss the experiences of Portuguese people who have emigrated to other parts of the world. These entries will be extracted from a wonderful book gifted to us by Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, titled Envelhecer no Estrangeiro: Retalhos da Vida, holding the primary focus of retelling the stories of people who have left their homeland, and now find themselves facing old age abroad. All of these excerpts will be written in Portuguese.
To debut this series, we will start with the story of Maria dos Anjos Sefiane:
“Nasci em 1946 na região de Mértola, Sul de Portugal, junto à fronteira com Espanha. Recordo uma paisagem árida, coberta de rochedos até onde a vista chegava. Foi o meu próprio pai quem construiu uma casinha modesta, apenas com uma cozinha e um quarto dividido, precariamente, com cortinas. Esta era partilhado por toda a família, e era ali que eu dormia com os meus quatros irmãos mais novos.
Como primogénita, sempre fui a mais sacrificada, particularmente do desempenho das tarefas domésticas. Aos 10 anos de idade, ia buscar água ao poço, com uma bilha na cabeça e outra às costas, o que contribuiu para os problemas ósseos de que atualmente padeço. A minha avó fazia pão e ajudava-a amiúde. Além disso, partilhámos, por diversas vezes, idas a Espanha para trazer café e açúcar, ainda que receando a vigilância dos carabineiros.
A primeira vez que migrei foi para Lisboa, motivada pela minha avó. Vendo que os meus pais me batiam frequentemente, decidiu telefonar para a minha tia que trabalhava na capital e, apesar da tristeza de me ver partir, pediu-lhe que me acolhesse. Esta rapidamente encontrou trabalho para mim, a fazer limpezas.
Esta minha tia conhecia uns espanhóis que estavam imigrados em França e decidiu visitá-los por uns dias. Foi então que a senhora espanhola lhe arranjou um bom trabalho numa fábrica. Pouco tempo depois, também encontrou emprego para o seu marido, meu tio.
Não querendo que ficasse desamparada em Lisboa, conseguiu que eu fosse também trabalhar como ama de crianças para casa de famílias ricas nos prestigiados Hauts-de-Seine, em França. Ali cheguei em 1964, com apenas 18 anos.
Quatro anos mais tarde, conheci a pessoa que viria a ser meu marido, um homem de nacionalidade argelina, com quem me casei em 1970. Nesse mesmo ano, tivemos o nosso primeiro filho e decidimos ir viver para a Argélia. Instalámo-nos em Annaba, junto à fronteira com a Tunísia. Passados três anos, voltámos a percorrer 860 quilómetros nesse país para irmos viver na região oeste, em Tlemcen, junto da fronteira com Marrocos.
A adaptação a um novo espaço com costumes muito diferentes não foi fácil, até porque não conhecia ninguém. Posso dizer ter sido muito infeliz! Os meus quatro filhos, nascidos entre 1970 e 1974, foram a minha principal ocupação e conforto nos tempos iniciais.
O acontecimento mais marcante da minha vida na Argélia ocorreu em 1982, quando uma meningite me deixou em coma durante três meses — tempo em que uma senhora russa tomou conta de mim. Os médicos a que recorri em França após este episódio não esconderam a sua grande surpresa por ter sobrevivido ao coma.
Uma década mais tarde, assistimos a um longo período de terrorismo, um tempo muito difícil não só para mim como para toda a família. O meu marido levava todos os dias as crianças à escola e eu ficava em casa, sem sair. À noite, ouvíamos os tiroteios no exterior, pelo que mantínhamos sempre as persianas fechadas para nos tentarmos abstrair de violência que nos rodeava.
Sempre mantive a tradição gastronómica portuguesa, cozinhado amiúde bacalhau e outra iguarias nossas. Também para ouvir música portuguesa tinha trazido do discos de música nacional. Inicialmente, celebrava o Natal e outras festividades de tradição portuguesa mas atualmente já não o faço, pois passei a incorporar os legados culturais locais que nos envolvem a todos.
Tinha emigrado para juntar dinheiro que me permitisse comprar uma casa em Portugal e acabei por vir a comprá-la aqui, onde vivo com o meu marido!
A minha maior frustração não se prende com o país onde habito, mas sim com a paralisia das minhas pernas, que me impedem de andar. Enquanto podia movimentar-me, visitei diversas vezes Portugal.
Gostaria de voltar a residir no meu país para poder estar junto dos meus irmãos e da minha tia, que tanto me ajudou na infância e que, após a reforma, voltou a residir em Portugal. Infelizmente, a saúde não me permite, pelo que me resta sentir o acelerar do meu coração sempre que ouço a palavra “saudade” e emocionar-me com as memórias do país onde nasci, que carinhosamente guardo.”
Except from Envelhecer no Estrangeiro: Retalhos da Vida by Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.