Naturalidade:
Alcobaça — Capuchos
Residência:
África do Sul — Joanesburgo
Vivendo na esperança de um reencontro…
É com todo o prazer, e também alguma dor, que eu própria, Hermínia Jorge Pardau, oriunda da ilha da Madeira, uma linda ilha mais conhecida por Pérola do Atlântico, venho dar a conhecer um pouco da minha longa caminhada, na qual vivi momentos alegres mas também de grande tristeza.
Nasci em 1 de agosto de 1933 na Santa do Porto Moniz, uma pequena freguesia, na altura com pouca população mais muito calma e onde comíamos aquilo que era cultivado por nós (batatas, hortaliça, entre muitos outros produtos). Nessa altura, devido à situação económica e à falta de meios, nunca cheguei a frequentar a escola e, desde muito nova, trabalhei na fazenda junto dos meus pais e sete irmãos. Gostava do que fazia apesar de ser muito cansativo, mas na altura toda a gente trabalhava no campo, num ambiente mais saudável. Agora tudo é diferente, muito mais moderno.
O tempo passou e, aos 21 anos, conheci o amor da minha vida: era alto, moreno e muito bonito. Apaixonámos-nos e casámos, tendo vivido juntos durante 48 anos. Nesse mesmo ano nasceu o nosso primeiro filho, dois anos depois uma filha e o último veio a nascer quando eu tinha 25. As pessoas ficavam admiradas com a minha coragem porque, mesmo grávida, e logo depois de tê-los, sempre trabalhei na fazenda junto ao meu marido.
Éramos muitos felizes, mas as coisas mudaram. Devido a complicações familiares e a dinheiro obtido com venda de terrenos que tínhamos herdado da parte do meu marido, este decidiu emigrar sozinho para a África do Sul quando tinha 30 anos. Fiquei na Madeira com três filhos porque, nessa altura, era muito mais complicado obter os papéis para entrar naquele país.
Anos depois, o meu marido conseguiu legalizar-se. Após ter trabalhado muito tempo abriu o seu próprio negócio relacionado com vegetais. Conseguiu juntar dinheiro para trazer toda a família para junto dele, tal como tinha prometido, tendo tratado previamente de todos os documentos necessários. Tinha, aproximadamente, 39 anos quando vim viver com os meus três filhos para este país.
Depois de estabilizar a situação, comprámos um terreno com o dinheiro que tinha guardado. Aí, construímos a nossa casa, tendo plantando uma horta para cultivar verdura porque gostava muito de trabalhar no campo e também de bordar.
Meus filhos, graças a Deus, seguiram a sua vida — casaram e, até hoje, têm a família junto deles. Eu e o meu marido ficámos a viver sozinhos numa casa enorme, mas éramos muitos felizes. Fazíamos tudo juntos, para onde um ia o outro também ia. Éramos um casal verdadeiramente amigo e cúmplice.
Infelizmente, tempos depois, tudo se tornou cinzento. Um mundo que era cheio de cor e felicidade, completado por um amor verdadeiro que enchia o nosso dia-a-dia, terminava inesperadamente. Numa dolorosa manhã, saímos de casa no nosso carro para ir fazer compras e tomar, como sempre, o pequeno-almoço juntos. Tínhamos o nosso dia planeado sem saber o que nos iria acontecer. Tudo se transformou numa enorme dor e mágoa…
Ao chegarmos a casa, ambos ficámos admirados pois os cachorros estavam na rua, situação a que não demos grande importância por julgar tê-los lá esquecido. O meu marido foi primeiro estacionar o carro na garagem. Depois iríamos arrumar as compras feitas quanto eu ia ao galinheiro buscar ovos fresquinhos para o almoço.
Quando entrei dento de casa, vi o meu querido marido caído no chão, já morto, cheio de sangue e deparei com um rapaz que fugia com uma faca na mão — tinha-lhe roubado a vida com uma facada no coração.
Nunca sabemos quando Deus nos quer perto dele… Fiquei ali a chorar, em pânico e sem saber o que fazer. Foi um dor tão grande ver o meu anjo ali branco, sem respirar, com os olhos fechados e sem poder fazer nada, nem despedir-me dele, dizendo quanto o amava e quanto tinha sido feliz a seu lado.
O rapaz, logo que me viu, saiu a correr mas foi apanhado. Injustamente, não foi preso, como devia ter sido, por falta de provas. Guardo esta grande mágoa dentro de mim até quando Deus decidir levar-me para junto dele. Só aí poderei descansar e ser feliz em paz.
Após tudo isto, fiquei desamparada, sem saber que rumo dar à minha vida. Fui obrigada a vender a casa tão linda que tinha, onde passei os melhores anos da minha vida, uma vez que não conseguia lá viver e relembrar os bons momentos que passámos juntos.
Vendi a casa e o ‘shopping’. Não quis ficar com os meus filhos porque não queria dar-lhes trabalho e ser mais uma preocupação nas suas vidas, tendo então tomado a decisão de passar a viver no Lar Rainha Santa Isabel, onde já estou há cerca de oito anos. Gosto de cá estar mas sinto sempre a falta do meu marido. Queria tanto que ele aqui estivesse comigo e voltar a ver a sua cara. Vivo numa angústia permanente acompanhada de uma grande mágoa, que me deixa sem saber o que fazer e sem vontade para nada.
Já esqueci muita coisa. Antes sabia bordar, mas hoje em dia olho para as coisas bordadas por mim e penso: como fui capaz de fazer tudo isto?
Espero que esta história de vida, muito abreviada, possa constituir um exemplo. Quando amamos realmente alguém, esse alguém, mesmo sem estar presente, continua no nosso coração e esperamos ansiosamente a hora do reencontro. Não percamos tempo a discutir pequenas coisas porque, num minuto, a vida pode completamente mudar o nosso caminho e a felicidade que sentimos.
Muito obrigada pela oportunidade que me foi dada.
-Hermínia Jorge Padau
**Excerpt taken from Envelhecer no Estrangeiro: Retalhos da Vida by Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.